A questão do aborto no Brasil: alguma mudança?

Entendendo as implicações jurídicas e os desafios atuais sobre aborto

Olá, queridos leitores, é com muito prazer que venho lhes dar as boas-vindas de volta ao nosso blog de Direito e Saúde. Espero que vocês estejam se mantendo informados e atualizados sobre os temas mais relevantes do nosso setor. Estamos sempre trabalhando para trazer conteúdos de qualidade e relevantes para vocês, e espero que continuem nos acompanhando. Neste artigo, vamos tentar explicar o que está acontecendo  com a questão do  aborto no Brasil, a partir de novas orientações do governo. Vamos entender as implicações jurídicas e os desafios enfrentados para aplicação da legislação vigente. 

O aborto é um tema polêmico e sensível em todo mundo. No Brasil,  é considerado crime de acordo com os artigos 124 a 126 do Código Penal. No entanto, existem exceções legais que permitem a interrupção da gravidez, como quando a mesma é decorrente de estupro ou traz risco à vida da gestante. Em 2012, o STF também desconsiderou crime o aborto do feto anencéfalo.

As recentes medidas tomadas pelo Ministério da Saúde, como a revogação de Portarias que disciplinavam o aborto legal e a retirada do Brasil do Consenso de Genebra, um acordo internacional de proteção à vida, geram dúvidas sobre o futuro da questão do aborto no país e suas implicações jurídicas. É importante destacar que essas medidas podem ter implicações significativas para a saúde e os direitos das mulheres, e é importante que haja uma discussão pública ampla e informada sobre o assunto.

Vale ressaltar que embora o Código Penal não preveja tempo gestacional para realização do aborto, dúvidas existem sobre esse aspecto, levando em consideração nota técnica do Ministério da Saúde, que tem caráter de recomendação, e que qualifica como abortamento “a interrupção da gravidez até a 20ª-22ª semana”. 

Outra informação que merece ser destacada é a de que não há necessidade de a gestante apresentar boletim de ocorrência ou laudo pericial para realização do procedimento. Os documentos são preenchidos no próprio hospital. Ocorre que, em outubro de 2020, a partir de um movimento liderado pelo então presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, foi firmado um acordo, por 32 países, e o Brasil foi um deles,  denominado Consenso de Genebra, com o objetivo de uniformizar posições dos países signatários acerca de temas como direitos reprodutivos, educação sexual, legalização do aborto e defesa da família em órgãos internacionais. A declaração defende, entre outras coisas, que o aborto não “deve ser promovido como método de planejamento familiar” e que “quaisquer medidas ou mudanças relacionadas ao aborto dentro do sistema de saúde só podem ser determinadas em nível nacional ou local de acordo com o processo legislativo nacional”.

O governo brasileiro recentemente se retirou da “Declaração do Consenso de Genebra sobre Saúde da Mulher e Fortalecimento da Família” e aderiu ao “Compromisso de Santiago e à Declaração do Panamá”. A justificativa para essa mudança foi a de que o documento anterior limitava os direitos sexuais e reprodutivos e restringia o conceito de família, além de comprometer a plena implementação da legislação nacional sobre o tema, incluindo os princípios do Sistema Único de Saúde (SUS). Como resultado, a Portaria GM/MS nº 2.561, que antes exigia que os médicos comunicassem os casos de aborto à autoridade policial responsável e preservassem possíveis evidências materiais do crime de estupro, foi revogada. . Essas mudanças estão sendo vistas como um passo em direção à descriminalização do aborto, lembrando que tramita no STF a ADPF 442 proposta pelo PSOL, em 2017, que busca a legalização do aborto nas primeiras doze semanas de gestação. No entanto, as hipóteses de aborto permitidas pelo Código Penal Brasileiro permanecem as mesmas,  não houve qualquer modificação nesse sentido.

O aborto é um tema polêmico que envolve uma série de perspectivas diferentes. Por exemplo, do ponto de vista científico, há questões médicas envolvidas na realização de um aborto, enquanto do ponto de vista ético, há questões morais e filosóficas que surgem no ato de interromper uma gravidez. De outro lado, a religião e a política também podem influenciar na opinião sobre o aborto, pois há questões relacionadas à vida humana e à autonomia da gestante sobre o seu corpo e direitos reprodutivos.

Além de polémico, o assunto da legalização do aborto é igualmente bastante complexo.  Para se ter uma ideia, pesquisa realizada pelo Ipec (ex-Ibope), encomendada pela Rede Globo, divulgada em 13 de setembro de 2022,  apontou que 70% dos brasileiros são contra a legalização do aborto, enquanto apenas 20% são a favor e os que se disseram não ser a favor nem contra foram 8%. É URGENTE e  necessária, portanto,  uma ampla discussão com todas as esferas sociais, incluindo a participação popular através de mecanismos como audiências públicas, plebiscitos e referendos. Só assim  o Poder Legislativo,  responsável por transformar os valores éticos majoritários dos cidadãos em normas jurídicas, poderá, efetivamente, dar uma adequada resposta aos anseios dos brasileiros, de forma democrática e legítima.

Gostaria de agradecer a todos pelo apoio e interesse em meus artigos. Espero que tenham encontrado valor em minhas palavras e tenham aprendido algo novo. Convido vocês a continuarem lendo minhas postagens no futuro e a compartilharem suas opiniões e insights comigo. Até a próxima.

Ana Claudia Brandão
Ana Claudia Brandão

Ana Claudia Brandão de Barros Correia Ferraz é uma jurista de destaque e juíza do Estado de Pernambuco. Sua trajetória acadêmica é marcada por sólida formação em Direito, com doutorado pela Universidade Federal de Pernambuco e pós-doutorado na prestigiada Universidad de Salamanca, Espanha, e na renomada Harvard University, Estados Unidos. Sua atuação no meio jurídico abrange áreas complexas e relevantes, com especialização em Biodireito e Bioética, nas quais tem contribuído de forma significativa.

Além de sua atuação no Poder Judiciário, Ana Claudia também se destaca como escritora. Seus artigos e publicações científicas têm sido reconhecidos por sua relevância e impacto no cenário jurídico e acadêmico. Entre suas obras literárias de destaque, estão os livros "Reprodução Humana Assistida e suas Consequências nas Relações de Família: A Filiação e a Origem Genética sob a Perspectiva da Repersonalização" (Editora Juruá, edições 2009 e 2016) e "Filhos para Cura: O Bebê Medicamento como Sujeito de Direito" (Editora Revista dos Tribunais, 2020).

Ana Claudia também é uma colaboradora quinzenal do jornal Folha de Pernambuco, onde escreve sobre temas relacionados a Direito e Saúde. Suas reflexões e análises têm alcançado grande repercussão e contribuído para o debate público em torno de questões jurídicas e de saúde.

Com um currículo acadêmico e profissional impressionante, Ana Claudia Brandão de Barros Correia Ferraz se consolida como uma referência no campo do Direito, especialmente em Biodireito e Bioética. Sua dedicação à pesquisa, seu compromisso com a justiça e sua habilidade como escritora fazem dela uma influente e respeitada figura no meio jurídico, com relevância nacional e internacional.

Artigos: 27

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