Mudanças climáticas: um alerta para a saúde global

As mudanças climáticas representam um dos maiores desafios contemporâneos, afetando não apenas o meio ambiente, mas também a saúde pública e os direitos humanos. Não faltam relatos de temperaturas extremas nos mais variados cantos do planeta. A Europa, por exemplo, enfrentou uma onda de calor sem precedentes em 2023, com temperaturas recordes em todo o sul do continente. Países ao longo do Mediterrâneo, incluindo destinos turísticos populares como Espanha, Itália, Croácia e Grécia também experimentaram temperaturas extremamente altas. Algumas regiões do sul da Itália e da Grécia anteciparam máximas superiores a 40°C. Esta onda de calor, apelidada de “Charon”, seguiu-se a outra onda de calor intensa, conhecida como “Cerberus”, e levantou preocupações significativas sobre a segurança de viagens durante períodos de calor extremo. No verão, as autoridades italianas emitiram alertas de calor vermelho em 23 cidades, aconselhando as pessoas a evitar a luz solar direta entre 11h e 18h. Além disso, houve relatos de problemas de saúde relacionados ao calor, impactando nas instalações médicas locais em muitas regiões. 

No Brasil, tivemos relatos semelhantes, inclusive com a relatada morte de uma jovem durante um show em que a sensação térmica beirou os 60º graus, no Rio de Janeiro. 

Nesta coluna, vamos explorar  a complexa relação entre as mudanças climáticas e a saúde, sob a ótica do biodireito, destacando a importância de uma abordagem jurídica e ética para enfrentar esses desafios.

Já ouviu falar em ecoética?

A ecoética, um conceito emergente e vital no campo do biodireito, representa a interseção entre a ética ambiental e a proteção dos ecossistemas. Essa disciplina aborda questões éticas relacionadas ao meio ambiente, enfatizando a responsabilidade humana na preservação da biodiversidade e na sustentabilidade ecológica. No contexto do biodireito, a ecoética serve como um guia para a formulação de políticas e leis que visam proteger o meio ambiente, garantindo o equilíbrio entre o desenvolvimento humano e a conservação da natureza. Ela promove uma reflexão profunda sobre o impacto das ações humanas no planeta, incentivando práticas mais sustentáveis e respeitosas com o meio ambiente. Assim, a ecoética emerge como um componente essencial para a tomada de decisões conscientes e éticas no âmbito do biodireito, contribuindo significativamente para a construção de um futuro mais sustentável e justo para todas as formas de vida.

Impacto das Mudanças Climáticas na Saúde Pública

Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), as mudanças climáticas já são responsáveis por aproximadamente 250.000 mortes adicionais por ano, devido à malária, desnutrição, diarreia e estresse térmico. De outro turno, os gastos na saúde pública tendem a crescer consideravelmente diante dos reflexos do descontrole ambiental na saúde das pessoas. A propósito, veja-se a previsão da OMS de impacto econômico e na saúde decorrente de tal fato:

Tabela de Dados:

Indicador   Dados (2030-2050)     Impacto Econômico   Impacto na Saúde    
Gastos com Saúde  Até US$ 4 bilhões/anoAltos custos financeiros     Prevenção e tratamento de doenças relacionadas ao clima    
Mortes Anuais   
Mais de 250 mil 
   Perda de vidas e produtividade   Desnutrição, malária, diarreia, estresse pelo calor    
Epidemias (Dengue, Zika, Chikungunya)   Aumento de casos   Custos com saúde pública e prevenção    Agravamento devido à falta de saneamento e água    
Leptospirose em Manaus    Correlação com nível da água dos rios e chuvas intensas Impacto em infraestrutura e saúde pública Aumento de casos relacionados a enchentes      


No Brasil, o  aumento de epidemias e casos de leptospirose em Manaus são exemplos de como eventos climáticos extremos afetam diretamente a saúde pública.

Dessa forma, são inúmeras as doenças que podem se disseminar como consequências dessas mudanças abruptas: 

              – Doenças Respiratórias 

As mudanças climáticas têm um papel significativo no aumento da poluição do ar. Fenômenos como incêndios florestais, elevação das temperaturas e alterações nos padrões climáticos intensificam condições respiratórias como asma, doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC) e infecções respiratórias. Adicionalmente, variações na temperatura e umidade influenciam a distribuição de plantas alergênicas, prolongando as temporadas de alergia e exacerbando os sintomas de asma, particularmente em áreas urbanas densamente habitadas.

                 – Doenças Transmitidas por Vetores

O aquecimento global afeta diretamente a distribuição geográfica e amplia as temporadas ativas de vetores de doenças, como mosquitos e carrapatos. No Brasil, isso pode resultar em uma disseminação mais ampla de doenças como dengue, Zika, chikungunya e malária, impactando um número maior de pessoas e potencialmente introduzindo essas enfermidades em novas regiões.

                    – Doenças Hídricas 

Mudanças nos padrões de precipitação, que incluem eventos de chuvas intensas ou períodos de seca, podem afetar a qualidade da água e elevar o risco de doenças transmitidas por via hídrica, como a leptospirose e infecções gastrointestinais.

            -Estresse Térmico e Desidratação

O incremento das temperaturas, especialmente durante ondas de calor, pode provocar doenças relacionadas ao calor, tais como exaustão, insolação e desidratação. As áreas urbanas são particularmente suscetíveis devido ao fenômeno conhecido como “efeito de ilha de calor urbano”.

              -Impactos na Saúde Mental

Eventos climáticos extremos, desastres naturais e a perda de meios de subsistência devido às alterações ambientais podem levar a um aumento no estresse psicológico, ansiedade, depressão e transtornos de estresse pós-traumático.

O Papel das Instituições e do Biodireito

Instituições como a Fiocruz e a OMS desempenham um papel crucial na pesquisa e na formulação de políticas de saúde pública relacionadas às mudanças climáticas. O biodireito, como campo interdisciplinar, oferece uma estrutura jurídica e ética para abordar esses desafios, enfatizando a necessidade de proteger os direitos à saúde e a um ambiente saudável. O artigo 225 da Constituição Federal prevê que “todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”. De outro lado, o art. 170 estabele que a proteção ao meio ambiente é princípio que rege a atividade econômica. Portanto, reconhece a nossa Carta Magna o direito fundamental ao meio ambiente equilibrado, que decorre diretamente do direito à vida, em sua acepção qualidade de vida. Ou seja, preservar o meio-ambiente é obrigação de todos, pois só assim se pode garantir o direito à saúde e à vida. 

Na área do biodireito, podemos citar diversas legislações que visam à concretização do objetivo constitucional, tais como a lei que estabelece a  Política Nacional do Meio Ambiente (Lei nº 6.938/81), que protege habitats e paisagens e cria espaços territoriais especialmente protegidos (ETEP); a Lei nº 9.985/00 (Lei do SNUC) que cria Unidades de Preservação; a Lei de Biossegurança nº  11.105/05, que trata de transgênicos, por exemplo. Também há diversos diplomas legais e infralegais que estabelecem punições administrativas, civis e penais para condutas lesivas ao meio-ambiente. A legislação é extensa e precisa ter aplicação efetiva para garantir a preservação e proteção do espaço em que vivemos e em que viverão as futuras gerações. 

A Importância da Educação e Conscientização

A educação e a conscientização pública são fundamentais para enfrentar os desafios das mudanças climáticas. 

A Lei nº 9.795/99, que instituiu a Política Nacional de Educação Ambiental, define educação ambiental como um “componente essencial e permanente da educação nacional”, que deve estar presente “em todos os níveis e modalidades do processo educativo” (art. 2º), quando trata da educação formal, menciona não apenas a educação infantil e ensinos fundamental e médio, mas também a educação superior, especial e profissional. 

Entretanto, não se vê, nos currículos dos cursos superiores, qualquer preocupação com o desenvolvimento de uma prática de educação ambiental integrada e contínua. Por isso, é necessário promover ações para que, de fato, as políticas públicas de proteção possam ser implementadas de forma eficaz. 

Um Chamado à Ação Coletiva – COP 28 

As mudanças climáticas são um desafio global que requer uma resposta global. Entre os dias 30 de novembro e 12 de dezembro ocorre a COP 28 (28ª Conferência de Mudanças Climáticas da Organização das Nações Unidas em Dubai, nos Emirados Árabes Unidos. A Conferência reúne todos os países-membros da ONU para debater estratégias para conter o aquecimento global – cujo máximo aceitável, de acordo com o Painel Intergovernamental Sobre Mudanças Climáticas (IPCC), é de 1,5º C até 2050, em relação às temperaturas registradas na era pré-industrial. A proposta é discutir os desafios impostos pelas mudanças do clima. O Brasil terá papel de destaque como um dos maiores produtores de alimentos do mundo com o desafio de além de garantir a segurança alimentar, investir em técnicas de produção que não agridam o meio ambiente e que contribuam para a preservação dos recursos naturais.

É necessário que haja uma abordagem integrada e colaborativa, envolvendo governos, organizações e indivíduos, para proteger a saúde pública e garantir um futuro sustentável. A perspectiva do biodireito e da bioética, através da ecoética, oferece uma base jurídica e ética sólida para orientar essas ações, enfatizando a importância de proteger os direitos fundamentais à saúde e a um ambiente saudável. Não há saúde sem meio-ambiente ecologicamente equilibrado. Como alerta Aurélio Molina. Médico Phd pela Universidade de Leeds, Inglaterra,  bioeticista, e coordenador do curso de Medicina da UPE, “Independentemente se o colapso climático que se aproxima é antropogênico ou não, é chegada a hora da implementação, em caráter emergencial, de medidas mitigatórias e adaptativas. Temos tecnologia e expertise para tanto. A partir de agora qualquer atraso representará perda de vidas e sofrimento humano (e também para toda a Biosfera) em escala jamais vista nos últimos 12 mil anos em nosso lindo planeta azul.” . Fica o alerta!!!

Ana Claudia Brandão
Ana Claudia Brandão

Ana Claudia Brandão de Barros Correia Ferraz é uma jurista de destaque e juíza do Estado de Pernambuco. Sua trajetória acadêmica é marcada por sólida formação em Direito, com doutorado pela Universidade Federal de Pernambuco e pós-doutorado na prestigiada Universidad de Salamanca, Espanha, e na renomada Harvard University, Estados Unidos. Sua atuação no meio jurídico abrange áreas complexas e relevantes, com especialização em Biodireito e Bioética, nas quais tem contribuído de forma significativa.

Além de sua atuação no Poder Judiciário, Ana Claudia também se destaca como escritora. Seus artigos e publicações científicas têm sido reconhecidos por sua relevância e impacto no cenário jurídico e acadêmico. Entre suas obras literárias de destaque, estão os livros "Reprodução Humana Assistida e suas Consequências nas Relações de Família: A Filiação e a Origem Genética sob a Perspectiva da Repersonalização" (Editora Juruá, edições 2009 e 2016) e "Filhos para Cura: O Bebê Medicamento como Sujeito de Direito" (Editora Revista dos Tribunais, 2020).

Ana Claudia também é uma colaboradora quinzenal do jornal Folha de Pernambuco, onde escreve sobre temas relacionados a Direito e Saúde. Suas reflexões e análises têm alcançado grande repercussão e contribuído para o debate público em torno de questões jurídicas e de saúde.

Com um currículo acadêmico e profissional impressionante, Ana Claudia Brandão de Barros Correia Ferraz se consolida como uma referência no campo do Direito, especialmente em Biodireito e Bioética. Sua dedicação à pesquisa, seu compromisso com a justiça e sua habilidade como escritora fazem dela uma influente e respeitada figura no meio jurídico, com relevância nacional e internacional.

Artigos: 27

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