Direito e Saúde: por uma medicina humanizada na era da revolução digital 

Olá, queridos! Espero que 2024 tenha começado bem!!

Nesta primeira coluna do ano, vamos chamar a atenção para um ponto crucial na relação médico-paciente: a humanização

Vivenciamos a crescente influência e impacto das tecnologias avançadas, como inteligência artificial, computação em nuvem, internet das coisas, biotecnologia, robótica, realidade virtual e aumentada, entre outras, em praticamente todos os aspectos da vida moderna.

Nessa era de revolução digital, a tecnologia está transformando a forma como trabalhamos e como nos relacionamos seja no consumo de produtos, de informações, no acesso a serviços de saúde e educação, e até mesmo como entendemos o mundo ao nosso redor. A convergência dessas tecnologias avançadas está impulsionando mudanças significativas em especial na medicina. 

Sem dúvida, a tecnologia revolucionou a medicina em muitos aspectos positivos. Máquinas de diagnóstico avançadas, telemedicina, registros médicos eletrônicos e robôs cirúrgicos são apenas alguns exemplos das inovações que têm melhorado a eficiência, a precisão e a acessibilidade dos cuidados de saúde. Essas ferramentas são inegavelmente valiosas, permitindo diagnósticos mais rápidos, tratamentos mais eficazes e uma colaboração médica global facilitada.

No entanto, à medida que a tecnologia se torna cada vez mais dominante na medicina, percebe-se que o aspecto humano dos cuidados de saúde vem sendo posto em segundo plano, como se fosse menos importante que as máquinas e os algoritmos. 

Desde Hipócrates que o pilar principal da medicina é a relação entre o médico e o paciente. O foco da relação mudou do paternalismo, onde o médico tinha autoridade absoluta sobre o paciente para uma relação colaborativa e deliberativa, onde o processo de tomada de decisões é conjunto. E a relação atual tem como ponto alto o elemento CONFIANÇA, que é construído com empatia, comunicação e informação genuína.

O papel do médico não é apenas oferecer tratamentos eficazes, os melhores e mais modernos, mas também proporcionar apoio e conforto emocional ao paciente no seu momento de maior vulnerabilidade. Isso não pode ser feito por robôs, por mais arrojados que eles sejam. 

A humanização da medicina pressupõe o cuidado com as pessoas e não apenas com a doença que as acomete. A conexão humana na prática médica pode ser auxiliada pela tecnologia, mas jamais substituída. 

É importante lembrar que a crescente dependência de dispositivos eletrônicos, exposição constante às redes sociais contribuem para a ansiedade e depressão, podendo afetar tanto os pacientes quanto os profissionais de saúde, prejudicando a qualidade da atenção médica. Assim, é preciso uma atenção mais abrangente, para além da necessidade física do paciente que englobe os aspectos emocionais e psicológicos. 

A velocidade das informações e a liquidez das relações, como diz Bauman, passando pela mercantilização da medicina, como se se tratasse de uma mera relação de consumo semelhante à compra de um produto qualquer em um mercado, contribuem para a desvalorização do aspecto humano na prática medica e, consequentemente, para o afastamento da razão de ser da própria ciência: o bem-estar do ser humano na sua integralidade.  

A mineira Eliete Bouskela, primeira mulher a presidir a ANM (Academia Nacional de Medicina) em 194 anos, resumiu bem essa questão: “Uma vez, me perguntaram o que acho fundamental em alguém que queira cursar medicina. E eu respondi sem nenhuma dúvida: gostar de gente. Se você não gosta de gente saudável, não gosta de gente doente”.

Ela pretende propor discussões sobre a formação médica. Está preocupada com a qualidade dos cursos de medicina, com o desinteresse dos recém-formados pela residência e com a atualização dos profissionais no mercado. Deseja, do mesmo modo, debater a relação médico-paciente. “Não devemos abandonar a luta por maior reconhecimento do médico, mas os profissionais também têm que fazer algo a mais. Quantos médicos hoje efetivamente examinam e conversam com o paciente?”, questiona.

Nesse contexto, a bioética se apresenta como ferramenta imprescindível na humanização da medicina, já que estão intrinsecamente relacionadas, pois ambas buscam promover valores éticos e princípios humanitários na prática médica e na pesquisa biomédica. A bioética, por exemplo, enfatiza o respeito à autonomia do paciente e ao respeito pela sua dignidade e decisões.

Isso significa considerar as necessidades emocionais, psicológicas e sociais dos pacientes, além de suas necessidades médicas. Além disso, lida com a justiça na alocação de recursos de saúde, levando em conta as necessidades individuais e os valores dos pacientes ao determinar os planos de tratamento e a distribuição de recursos escassos. Defende a ética na pesquisa e na tomada de decisões médicas complexas, especialmente em situações em que os valores e preferências dos pacientes podem entrar em conflito com os objetivos médicos. Portanto, o estudo e a disseminação da bioética podem promover ambiente de cuidado mais ético e compassivo para os pacientes e a sociedade como um todo.

É responsabilidade dos sistemas de saúde, educadores e profissionais de saúde incorporar a humanização como um valor fundamental. Isso inclui treinamento em habilidades de comunicação, ética médica e atenção plena à relação médico-paciente.

 A humanização da relação médico-paciente é essencial para a entrega de cuidados de saúde de alta qualidade. As evidências científicas apontam para uma série de benefícios, incluindo melhor adesão ao tratamento, redução do estresse do paciente e aumento da satisfação geral. Além disso, as implicações clínicas da humanização incluem resultados clínicos aprimorados, redução de custos e maior satisfação tanto dos pacientes quanto dos médicos, prevenindo eventuais litígios judiciais.

A integração da humanização da relação médico-paciente na educação médica e na prática clínica deve ser uma PRIORIDADE para sistemas de saúde e instituições de ensino médico. A atenção aos aspectos emocionais e sociais dos cuidados de saúde é fundamental para criar um ambiente de cuidado compassivo e eficaz, que beneficie tanto pacientes quanto médicos. 

Portanto, a humanização não é mera opção: é um compromisso contínuo com o bem-estar físico, emocional e psicológico dos pacientes e apenas através dela é que se pode falar em excelência na assistência médica.

Sem dúvida, a tecnologia é uma ferramenta valiosa na medicina, porém é imprescindível buscar o equilíbrio entre a eficiência tecnológica e a humanização da medicina para garantir que os cuidados de saúde continuem a ser compassivos, holísticos e centrados na pessoa do paciente, em sua essência e singularidade. 

Abraços carinhosos com muito calor humano!

Ana Claudia Brandão
Ana Claudia Brandão

Ana Claudia Brandão de Barros Correia Ferraz é uma jurista de destaque e juíza do Estado de Pernambuco. Sua trajetória acadêmica é marcada por sólida formação em Direito, com doutorado pela Universidade Federal de Pernambuco e pós-doutorado na prestigiada Universidad de Salamanca, Espanha, e na renomada Harvard University, Estados Unidos. Sua atuação no meio jurídico abrange áreas complexas e relevantes, com especialização em Biodireito e Bioética, nas quais tem contribuído de forma significativa.

Além de sua atuação no Poder Judiciário, Ana Claudia também se destaca como escritora. Seus artigos e publicações científicas têm sido reconhecidos por sua relevância e impacto no cenário jurídico e acadêmico. Entre suas obras literárias de destaque, estão os livros "Reprodução Humana Assistida e suas Consequências nas Relações de Família: A Filiação e a Origem Genética sob a Perspectiva da Repersonalização" (Editora Juruá, edições 2009 e 2016) e "Filhos para Cura: O Bebê Medicamento como Sujeito de Direito" (Editora Revista dos Tribunais, 2020).

Ana Claudia também é uma colaboradora quinzenal do jornal Folha de Pernambuco, onde escreve sobre temas relacionados a Direito e Saúde. Suas reflexões e análises têm alcançado grande repercussão e contribuído para o debate público em torno de questões jurídicas e de saúde.

Com um currículo acadêmico e profissional impressionante, Ana Claudia Brandão de Barros Correia Ferraz se consolida como uma referência no campo do Direito, especialmente em Biodireito e Bioética. Sua dedicação à pesquisa, seu compromisso com a justiça e sua habilidade como escritora fazem dela uma influente e respeitada figura no meio jurídico, com relevância nacional e internacional.

Artigos: 27

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